terça-feira, 7 de abril de 2009

Paulo Moreira Leite - Colunista da Revista Época: GUEVARA NO CINEMA

Fui assistir Che, de Steven Sorderbergh. É um bom filme, com atores excelentes e uma montagem eficaz.

Sorderbergh é um cineasta claramente capturado pela personalidade histórica de Guevara.

Você sái do cinema convencido de que ele era um sujeito movido pela vontade de mudar o mundo, que acreditava mesmo que seria capaz de melhorar a vida humana e aperfeiçoar a própria humanidade.

A partir do colapso do socialismo real — e antes do colapso do capitalismo em 2008, que terá consequencias ainda imprevisiveis sobre nosso modo de ver o mundo — entramos num período de distanciamento e desencanto diante de qualquer possibilidade de superar os mandamentos da economia de mercado. Poucas personalidades ligadas a idéia de revolução conseguem resistir com boa saúde aos arquivos históricos e muitas retornaram ao debate público na condição como seres criminalizados.

Emboscado e morto na Bolívia, Guevara escapou como lenda histórica.
Se era tudo fingimento e ele iria — ou não — consumar uma carreira de crimes e privilégios, e mesmo de corrupção, não teve tempo.

O que ele fez, enquanto a vida permitiu, foi renunciar às mordomias a que teria direito em
Havana para voltar à selva e à luta de guerrilhas, na África e na América do Sul.

Não é pouca coisa, como mostra a juventude que carrega sua imagem de boina em camisetas, no porta-malas dos automóveis, em capas de caderno, canetas, boinas, no mundo inteiro.

A revolução cubana promoveu melhorias na condição de vida da população, mas foi incapaz de encontrar uma solução duradoura para o desenvolvimento fora da dependencia com a ex-URSS. O regime transformou-se numa ditadura em família depois da posse de Raul Castro como sucessor de Fidel — forma de sucessão que a humanidade rejeita desde 1789, quando o povo frances tomou a Bastilha.

Guevara é parte dessa história, um dos principais responsáveis.

Mas, como indivíduo, ele arriscou a vida em nome de idéias.

Sorderbergh mostra cenas onde o Che promove julgamentos sumários de desafetos. Essas mortes – e as execucões que o Che comandou após a tomada do poder — são condenáveis e devem ser vistas dessa forma. Mas o filme não se demora muito nessa situação. De certo modo, é como se perdoasse Guevara.

Seria ingenuidade, contudo, ignorar inteiramente que a violência política sempre fez parte da realidade daquele périodo e daquela geografia, como se veria antes e depois de sua morte. O próprio Che foi executado quando já fora dominado pelos soldados inimigos e não representava perigo algum a seus captores.

O filme descreve um indivíduo soberano, que tem a ousadia de suas convicções. Na última cena, não mostra um final feliz. Exibe um cidadão tão apegado a determinados princípios que é capaz de preocupar-se com eles num momento em que todos os outros estão ocupados exclusivamente com a tomada do poder.

É como se fosse um homem maior do que a história. É assim que se fazem os mitos.
Dia 07/04/2009

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